O Sistema Financeiro da Habitação (SFH) é um dos pilares do crédito imobiliário no Brasil desde 1964. Foi criado para viabilizar o acesso à moradia e impulsionar a construção civil por meio do uso dos recursos da poupança.
Mas o cenário econômico mudou — e o comportamento dos investidores também. A redução dos depósitos na poupança e o avanço de novas modalidades de investimento levaram o governo federal a propor uma reformulação estrutural no SFH, com início de transição em 2025 e implementação completa até 2027.
Neste artigo, você vai entender:
O governo federal anunciou, no dia 10 de outubro, um conjunto de medidas que modernizam o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e ampliam o acesso ao crédito imobiliário no Brasil, impactando diretamente incorporadoras, construtoras e famílias. Essas mudanças buscam equilibrar expansão do crédito habitacional, previsibilidade econômica e sustentabilidade do sistema financeiro.
Novo teto do SFH e acesso ampliado:
O limite de financiamento foi elevado de R$ 1,5 milhão para R$ 2,25 milhões, permitindo que imóveis de padrão mais alto em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro possam ser financiados com juros limitados a 12% ao ano. Com isso, famílias que antes estavam fora das faixas tradicionais do programa Minha Casa Minha Vida passam a ter acesso a financiamentos dentro do SFH. Essa medida fortalece o crédito imobiliário para classe média e impulsiona o mercado de imóveis de médio e alto padrão.
Maior financiamento e redução da entrada mínima:
O percentual do valor do imóvel que pode ser financiado passou de 70% para 80%, diminuindo a entrada inicial exigida. Isso torna os financiamentos habitacionais mais acessíveis e permite que mais famílias conquistem a casa própria com condições financeiras viáveis, enquanto as incorporadoras ganham previsibilidade e maior demanda para novos projetos.
Linha de crédito para reformas residenciais:
O Ministério das Cidades anunciou uma nova linha de crédito voltada à reforma de moradias para famílias de baixa renda. A iniciativa integra o Programa Minha Casa, Minha Vida e prevê financiamentos entre R$ 5 mil e R$ 30 mil, com juros reduzidos e prazos de pagamento de 24 a 60 meses.
Ajustes no FGTS:
As novas regras permitem maior utilização dos recursos do FGTS para habitação, aumentando a liquidez do sistema e viabilizando mais operações de crédito imobiliário. Construtoras e incorporadoras podem se beneficiar de maior previsibilidade financeira para o lançamento e execução de projetos.
Expansão da liquidez e impacto econômico:
O Banco Central estima que até R$ 52 bilhões adicionais em crédito habitacional possam ser liberados já no primeiro ano. Esse incremento deve estimular o setor da construção civil, aumentar a concorrência entre bancos e oferecer condições mais vantajosas para compradores. Para as incorporadoras, representa oportunidade de reduzir custos financeiros e planejar empreendimentos com maior segurança.
Para compreender plenamente como essas medidas impactarão o mercado e as incorporadoras, é importante primeiro entender como funciona o modelo atual do SFH.
Hoje, as instituições financeiras precisam destinar 65% dos recursos captados na poupança para operações de crédito habitacional dentro do SFH.
Do restante, 20% são depósitos compulsórios no Banco Central — uma espécie de reserva obrigatória que garante segurança e estabilidade ao sistema.
Os 15% restantes ficam livres para aplicação conforme a estratégia dos bancos.
Embora esse modelo tenha mantido o crédito habitacional estável por décadas, ele restringe a liquidez do sistema bancário. Em outras palavras, os bancos têm menos flexibilidade para expandir empréstimos ou buscar novas formas de financiamento, o que limita a oferta de crédito imobiliário e, consequentemente, o volume de obras no país.
Durante o período de transição, o governo mantém a regra atual de destinação mínima de 65% dos recursos da poupança ao SFH, preservando a base de financiamento habitacional enquanto o novo modelo é gradualmente implementado.
Paralelamente, haverá ajustes progressivos nos depósitos compulsórios, de forma a liberar gradualmente mais liquidez para o sistema bancário.
Segundo as propostas divulgadas, parte do compulsório será reduzida e outra parte direcionada ao novo arranjo financeiro, com percentuais estimados em 15% de redução e 5% de aplicação no novo regime. Essa etapa representa o início da reconfiguração do fluxo de recursos da poupança.
Em termos práticos, a transição não ocorrerá de forma abrupta, mas de maneira controlada e escalonada, justamente para evitar choques de liquidez ou distorções no mercado de crédito.
Essa fase de adaptação foi desenhada para permitir que o Banco Central e o sistema financeiro acompanhem os efeitos das mudanças e façam os ajustes necessários ao longo do caminho — assegurando estabilidade durante a migração para o novo modelo em 2027.
A partir de 2027, o Sistema Financeiro da Habitação passará a operar sob uma nova lógica de alocação de recursos da poupança, com o objetivo de elevar gradualmente a fatia destinada ao crédito imobiliário de 65% para 100%.
A principal inovação está no mecanismo de liberação de recursos.
Para cada R$ 1 concedido em financiamento habitacional dentro do SFH, o banco receberá autorização para utilizar mais R$ 1 da poupança de forma livre, por um período determinado.
Esse processo funciona como um incentivo direto: quanto mais crédito o banco destinar à habitação, mais recursos ele poderá movimentar em outras operações.
Na prática, o governo cria um ciclo virtuoso de estímulo ao crédito imobiliário.
Exemplo prático:
Se uma instituição captar R$ 1 milhão na poupança e aplicar integralmente esse valor em financiamentos habitacionais, ela poderá utilizar os mesmos R$ 1 milhão para "aplicações livres" — como empréstimos para empresas ou linhas de crédito ao consumidor — por um período predeterminado. Ou seja, o mesmo montante da poupança gera mais financiamento e maior dinamismo econômico, incentivando os bancos a expandir o crédito imobiliário de forma contínua.
Mesmo com maior flexibilidade, o modelo mantém um vínculo obrigatório de aplicação dentro do SFH:
Pelo menos 80% dos recursos liberados devem continuar sendo aplicados em crédito habitacional com juros controlados (limitados a 12% ao ano + TR).
Os 20% restantes poderão ser usados livremente pelos bancos — em operações de crédito para empresas, consumo ou outros segmentos.
Essa condicionalidade garante que a expansão de liquidez continue priorizando o setor habitacional, sem desviar a essência do programa.
Outro eixo da reforma é a redução progressiva dos depósitos compulsórios sobre a poupança, que hoje funcionam como uma reserva obrigatória mantida junto ao Banco Central.
A proposta prevê diminuição de 1,5 ponto percentual ao ano, até que essa exigência seja totalmente eliminada ao final de dez anos.
Com isso, os bancos deixam de imobilizar parte significativa dos recursos e passam a contar com o mecanismo de desbloqueio atrelado ao crédito habitacional, criando um sistema mais dinâmico, produtivo e alinhado às necessidades do mercado imobiliário.
Para o setor da construção civil, o novo modelo pode representar um avanço relevante, ao ampliar a oferta de crédito e criar condições para taxas potencialmente mais competitivas. Isso tende a favorecer o planejamento financeiro e a retomada gradual de novos empreendimentos, à medida que o mercado se ajusta às novas regras.
Principais impactos positivos:
Maior acesso a financiamento para projetos imobiliários;
Redução dos custos financeiros, com aumento da concorrência entre bancos;
Estabilidade no fluxo de crédito, já que a liberação de recursos depende da continuidade dos financiamentos;
Expansão da demanda habitacional, impulsionada por condições mais atrativas para o comprador final.
Essa previsibilidade é especialmente benéfica para o planejamento de médio e longo prazo das incorporadoras, que dependem de fluxos financeiros estáveis para viabilizar novos projetos.
Nem tudo é impulso positivo — o novo SFH também traz riscos importantes que precisam ser acompanhados de perto para evitar desequilíbrios no sistema financeiro e no setor da construção.
a) Risco de vulnerabilidade bancária
Com a redução gradual dos depósitos compulsórios, os bancos passam a manter menos reservas obrigatórias.
- Isso aumenta a liquidez disponível para empréstimos,
- Mas também diminui o colchão de segurança em situações de instabilidade financeira.
Em um cenário de estresse de mercado, o sistema pode se tornar mais sensível a choques de liquidez, exigindo respostas rápidas do Banco Central para conter eventuais desequilíbrios.
b) Expansão excessiva do crédito imobiliário
A meta de ampliar o uso da poupança para o crédito habitacional traz dinamismo, mas também um risco:
- Uma expansão muito acelerada do crédito pode inflar artificialmente os preços dos imóveis,
- Criando bolhas especulativas semelhantes às vistas em outros países.
Se os preços subirem mais rápido que a renda das famílias, o resultado pode ser um ciclo de inadimplência e correção brusca no mercado imobiliário.
c) Pressão inflacionária
O aumento da liquidez bancária, somado à expansão do crédito, pode elevar a demanda por bens e serviços.
Se o volume de crédito crescer mais rápido que a capacidade produtiva da economia, há risco de pressão inflacionária, especialmente nos segmentos ligados à construção civil e ao consumo durável.
d) Concentração do crédito
Mesmo com mais recursos no sistema, os bancos tendem a priorizar incorporadoras de grande porte, com menor risco e histórico sólido de crédito.
- As médias e pequenas construtoras podem continuar enfrentando dificuldade de acesso,
- O que reduz a competitividade e mantém a concentração de mercado nas mãos de poucos players.
e) Desequilíbrio competitivo no setor
Sem políticas complementares que incentivem a democratização do crédito, há o risco de o novo modelo acentuar as desigualdades regionais e empresariais.
O crédito fluiria com mais intensidade para regiões e empresas já consolidadas, dificultando a expansão equilibrada do mercado.
e) Pressão sobre os custos da construção
Com mais crédito disponível e maior número de obras iniciadas, é provável que o setor enfrente pressão crescente sobre os custos produtivos.
- A demanda por materiais de construção tende a aumentar, impactando preços e prazos de entrega,
- Enquanto a escassez de mão de obra qualificada pode elevar os salários e dificultar a formação de equipes.
O resultado é uma compressão das margens de lucro das construtoras, especialmente das que operam com estruturas de custos mais enxutas.
Para mitigar esse efeito, será essencial investir em planejamento de obras, tecnologia e produtividade, evitando desequilíbrios no orçamento e atrasos nos cronogramas.
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A reformulação do Sistema Financeiro da Habitação é uma mudança relevante na estrutura do crédito imobiliário brasileiro.
Ao transformar recursos compulsórios em crédito produtivo, o novo modelo promete estimular a economia, fortalecer a construção civil e ampliar o acesso à moradia.
Por outro lado, o sucesso dessa transição dependerá da capacidade do governo e do Banco Central em manter o equilíbrio financeiro e regulatório.
Mais liquidez e crédito impulsionam o crescimento econômico — desde que acompanhados de gestão de risco, controle inflacionário e supervisão sólida.
Se bem implementado, o novo SFH pode representar um novo ciclo de expansão sustentável para o setor imobiliário, com ganhos reais para incorporadoras, construtoras e consumidores.
Mas se houver descompasso entre crédito e estabilidade, o mesmo mecanismo pode se tornar um fator de vulnerabilidade econômica.